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Semiótica e Direito

Publicado em 11/09/2012

I- CONCEITUAÇÃO GERAL DA SEMIÓTICA

A semiótica é a ciência que trata dos processos de comunicação dos significados.  Foram os gregos os primeiros a perceber a relação/diferença entre semeion (natureza) e symbolon (cultura), dando origem a duas linguagens : onomasiológica (de nome, objeto real) e semasiológica (de palavra, conceito abstrato).

Nosso espírito capta os sinais relacionais existentes na natureza reunindo significantes e significados (semiologia), assim como constrói relações simbólicas de comunicação significativa (semiótica), acrescentando características e aspectos, construtos apenas concebidos pelo nosso cérebro: é o mundo cultural das ilações significativas (semiose).

Em ambas, semiologia e semiótica, subjaz a realidade primária da linguagem, mental ou proferida, como fruto de nossa capacidade intelectual. Foi assim que Ferdinand de Saussure ( 1857-1913) desenvolveu uma semiologia relacionada à literatura, dentro de uma perspectiva diádica (significante/significado), ou seja, o que captar do sentido das palavras, constituindo uma semântica.

Já numa perspectiva ampla de simbolismo representativo, Charles Sanders Peirce (1838-1914) desenvolveu um sistema de representação triádica (signo-objeto-pessoa), de características pragmáticas, abrangendo todos os sinais expressivos, seja da realidade natural, seja da realidade humana, bem como das reações comportamentais consequentes: é o campo próprio da semiótica.

Vislumbrada pelos gregos (Platão, Aristóteles, os estóicos), a semiologia tem como seu principal fundador Sto. Agostinho, que foi o primeiro a conceber uma teoria geral dos signos, posteriormente desenvolvida por John Locke.

A semiologia tem suas origens remotas igualmente na descoberta dos sintomas  das doenças (medicina), bem como na capacidade inventiva de criar histórias, que desde nossa infância, encantam nossa imaginação. Daí o surgimento das mitologias e de nossas ilações performativas, ou seja, nossas reações.

Na variedade infinita de sentidos/significados que podem ser atribuídos a quaisquer fenômenos, a tarefa da semiologia/semiótica consiste justamente em tipificar ou sistematizar a sua análise, de forma a possibilitar a sua coerência (ou a sua lógica).

Ao sugerir que a captação do sentido das coisas pode ser obtido a partir da análise de qualquer fenômeno, natural ou cultural, Peirce transformou a semiótica em uma arquitetônica do espírito, que não quer ser nem idealista ou realista, mas que se encontra além de ambos: trata-se de um mundo peculiar de características virtuais, mas não irreais. Reduzindo as categorias do conhecimento a apenas três, denominou-as:

  • Qualidade: o azul (Primeiridade)
  • Relação: o azul do céu (Secundidade)
  • Representação: vejo o céu azul (Terceiridade)

Entre as três, a mais importante é a representação, geradora dos signos. É por ela que nosso espírito interpreta a realidade, captando a sua originalidade específica.

Finalmente, convém assinalar a importância da intersubjetividade na geração do processo semiótico, através da qual se estruturam e se consolidam as experiências sígnicas.

II -  SEMIÓTICA  DO  CAMPO JURÍDICO

A semiótica do direito tem por finalidade descobrir a estrutura do fenômeno jurídico, através do uso de paradigmas indiciários que possam conduzir a inteligência à sua mais ampla compreensão.

Dessa forma, podemos verificar que o primeiro paradigma indiciário do fenômeno jurídico é a existência das leis: sem a existência de códigos, consuetudinários ou escritos, não há que se falar na existência do direito. Englobamo-los sob o prisma da ciência estrito senso (Kelsen e o positivismo jurídico).

O segundo paradigma indiciário da experiência jurídica é o sentimento de justiça, ínsito no desejo humano de uma convivência social compartilhada na igualdade e na equilibrada distribuição dos bens disponíveis. É o mundo dos valores, englobados sob o prisma da filosofia.

O terceiro paradigma indiciário da existência do direito é a vivência gregária do ser humano, surgida a partir de sua dependência biológica e social, de sobrevivência e mútua troca de interesses. Concebemo-los envolvidos na categoria da ideologia.

Outros paradigmas semióticos podem ainda ser considerados como expressivos da experiência jurídica, como a organização política (o Estado), a existência dos processos, as condutas,  etc. Não obstante, há que se distinguir entre condicionantes essenciais e acessórios. Consideramos, na forma tradicional, que os três primeiros supracitados (ciência, filosofia e ideologia), são os essenciais dentro das perspectivas semióticas.

Na continuidade, importa desdobrarmos os significados latentes presentes nos paradigmas essenciais, seguindo  o entendimento da maioria dos jusfilósofos :

  1. o mundo das leis jurídicas é o campo positivo de análise do direito, e, por isso, considerado ‘científico’, em termos próprios (Kelsen).
  2. as considerações sobre o sentimento do justo oscilam entre a teoria e a ideologia. A teoria da justiça diz respeito àquela contida na lei; já a ideologia da justiça é a consideração da mesma em termos programáticos ou de dever-ser. Em ambos, trata-se apenas de especulações filosófico-ideológicas.
  3. quanto aos fatos sociais que dão origem ao direito, podem ser vistos sob perspectiva geradora de políticas jurídicas (ciência) ou condicionados pelo ser humano (antropologia) ou pela história. Em ambos os casos, oscilam entre dados críticos e conjunturais, de polêmica interpretação.

Esta significação tridimensional do direito encontra-se in nuce em todas as abordagens históricas sobre a natureza do fenômeno, variando apenas de perfil conforme a índole de cada autor. O prof Miguel Reale, uma das maiores expressões de nossa cultura, é o responsável por uma Teoria Tridimensional do Direito (S.Paulo, ed Saraiva, 1980), de características integrativas.

Ora, essa tridimensionalidade indica a implicação dialética daqueles três paradigmas (ciência, filosofia e ideologia), de tal forma que cada um deles, tomado isoladamente, carrega consigo os outros dois, na forma de uma correlação de implicação semiótica.

Assim, partindo do enfoque das leis jurídicas, o mais expressivo para caracterizar o direito, podemos inferir as nove ciências que formam a essência do campo jurídico. Para tanto, vamos considerá-lo em três momentos (diacronia), assim discriminados :

1) a existência das leis (a ciência do direito) :

  • ciência: dogmática jurídica
  • filosofia: lógica e epistemologia
  • ideologia: política jurídica
  • dogmática jurídica : é o conjunto das leis vigentes; é a ciência jurídica no sentido kelseniano;
  • lógica e epistemologia : é o estudo da coerência das expressões legais, bem como da estrutura da ciência jurídica.
  • política jurídica : trata da criação e da modificação das leis no tempo

2) a consistência das leis (a filosofia do direito) :

  • ciência: teoria geral do direito
  • filosofia: conceitos de direito
  • ideologia: sociologia e crítica do direito
  • teoria geral do direito : é a ciência da sistematização do direito positivado; é a teoria do ordenamento
  • conceitos de direito : é a ontologia jurídica; discrimina os diferentes significados atribuídos ao direito como um todo.
  • sociologia e crítica do direito : procura fontes sociais, históricas ou críticas do fenômeno jurídico

3) a aplicação das leis (a ideologia do direito):

  • ciência: jurisprudência dogmática
  • filosofia: axiologia jurídica
  • ideologia: teoria e ideologia da justiça
  • jurisprudência dogmática: resulta da aplicação da lei aos casos judiciais
  • axiologia jurídica : trata dos valores jurídicos, em sentido genético ou teleológico; ética, justiça, segurança, ordem e paz são valores jurídicos fundamentais
  • teoria e ideologia da justiça: envolve o trato legal ou apenas ideologizado da justiça (cfr. BOBBIO,N. A Teoria das Formas de Governo. Brasília, ed UNB, p. 28, 3ª ed).

Como se vê, o conhecimento do direito envolve, ao mesmo tempo, a sua concreção nas leis, a sua aplicação e a sua consistência formal, não havendo a possibilidade de considerá-las isoladamente, o que vem caracterizar uma combinação de paradigmas.

III  -  DESDOBRAMENTOS CONCEITUAIS

A interdisciplinariedade semiótica que envolve o campo jurídico, nos permite  avançar em conceituações inovadoras sobre os diversos saberes que o integram:

Dogmática Jurídica – Cai por terra o pressuposto sígnico de que as leis vigentes constituem o primado conceitual para a existência do direito. Sua precedência é apenas funcional, no sentido jurídico, e não deve constituir uma ‘camisa de força’ para a ‘vigência’, a validade e a eficácia do direito. Igualmente, a postura de Kelsen em considerá-la fonte exclusiva da ciência do direito, não tem cabimento, pela simples constatação de que não há, em ciências humanas, um conceito puro de ciência que, como vimos, se apresenta sempre confundido com filosofia e ideologia

Direito Penal – A crise profunda que abala as estruturas do direito penal tradicional, justificam novas formas de conceber a eficácia do cumprimento das penas. Vejamos algumas:

  • a pena nunca deve ser considerada vingança
  • reclusão só para crimes hediondos ou criminosos reincidentes
  • ênfase na aplicação de penas pecuniárias, por subtração de patrimônio.
  • penas alternativas de prestação de serviço comunitário
  • nada de pena de morte
  • reformatórios em vez de penitenciárias
  • ódio ao crime, não ao criminoso.

Direito Constitucional – A Carta Magna é um documento político, não jurídico. Texto enxuto, claro, de fácil compreensão. Carta de princípios e não de tipificação criminal ou processual. Seu texto deve garantir cidadania e liberdade.

Direito do Trabalho – Não deve ser considerado paternalista. A garantia dos direitos do trabalhador não deve se processar a custa do garroteamento das iniciativas empresariais. O pano-de-fundo do incentivo empreendedor deve inspirar toda decisão judicial no campo do direito do trabalho.

Direito Civil – A partir de uma concepção cidadã, o direito civil deve promover igualdade e responsabilidade nas obrigações, sem autoritarismo legal e sem discriminações de qualquer natureza.

Direito de Família – É possível o reconhecimento civil de casais homossexuais ? Por que tem se modificado, tanto, a ética familiar? Ora, isto só pode ser concebível sobre o prisma semiológico de uma compreensão virtual de quais padrões vamos considerar adequados para legitimar a instituição familiar. O direito de família é uma demonstração inequívoca de como a experiência jurídica é dependente de processos de significação.

Direito Administrativo – Pela exigência de transparência e ética nos negócios públicos. As instituições, quanto mais democráticas, mais são consentâneas com os interesses da coletividade.

Direito Tributário – Muitos impostos refletem exagerada tutela do Estado sobre a sociedade. A carga tributária, quando em excesso, gera corrupção e desperdício de dinheiro público.

Política Jurídica – Os parlamentos não foram criados apenas para fazer leis. A sua transformação em fóruns de debates, realização de seminários, congressos, ciclos de estudos, haverá de trazer grandes benefícios à coletividade.

Teoria Geral do Direito – Aparentemente sucedânea da filosofia do direito, a TGD tem o seu espaço semiótico próprio, em termos de teoria do ordenamento (Bobbio) ou conceituação genérica das estruturas da norma (Kelsen). É conhecimento de forte pendor dogmático, com perfil sistematicamente lógico.

Jurisprudência Dogmática – Que oscila entre a razão (texto da lei) e a vontade (decisão judicial), a partir do paradoxo de ‘respeito à vontade da lei’ (sic). A subsunção da lei ao caso concreto não é um silogismo lógico, envolvendo também hermenêutica, de cunho filosófico e ideológico, o que garante a proeminência dos valores dentro da experiência jurídica.

Lógica e Epistemologia Jurídica – A lógica jurídica é prudencial, no sentido aristotélico de phrónesis, meio-termo entre a demonstração e a verossimilhança. Não é uma lógica dedutiva, mas é apenas uma lógica do razoável (Recasenz Siches). Sua finalidade é a coerência dos fatos sociais com a as exigências da lei. Da mesma forma, a ciência do direito não é uma estrutura unívoca de fenômenos verificados, mas é um sistema aberto de paradigmas contraditórios, oscilando entre constatações (ciência), avaliações (filosofia) e propósitos (ideologia), conforme ficou exposto acima.

Ontologia Jurídica – Não há como limitar a experiência jurídica sob um único paradigma. Cada conceito emitido sobre o direito é o desdobramento de uma perspectiva diferenciada, subjacente a um ângulo de análise. Daí o sentido pluridimensional do direito.

Axiologia Jurídica – oscilando semiologicamente entre a filosofia e a ideologia, os valores jurídicos constituem a própria alma do direito. Como topoi ou referenciais de avaliação, implicam o perfil hermenêutico do direito (cfr.Carlos Cossio. La valoración Jurídica y la ciencia del derecho. B.Ayres, Ed Arayú, 1954).

Política Jurídica – É o problema fundamental da criação e revogação das leis, na dinâmica do processo legiferante. Dentro da  realidade  dos fatos sociais que geram as leis, cabe aos legisladores a perspicácia necessária para não tornarem o sistema jurídico disperso e contraditório em sua estrutura.

Sociologia, Crítica e História do Direito – De índole mais ideológica do que científica, tais ‘ciências’ se caracterizam pela imprecisão de julgamentos incompletos. Nem, por isso, deixam de ter importância dentro das análises do direito.